• Casa Gesso

    Transformar arte feminista em arquitectura contemporânea

journal

Fotografia: David Zarzoso 
04 / 12 / 2024
O estúdio valenciano Viruta Lab criou um projecto residencial inovador que traduz as revolucionárias obras feministas da artista espanhola Ángela García Codoñer, dos anos 70, para a linguagem arquitectónica contemporânea. 
O estúdio de arquitectura e design de interiores Viruta Lab, liderado por David Puerta e María Daroz, apresentou a Casa Gesso, um novo projecto residencial que estabelece um diálogo entre a arquitectura contemporânea e o legado artístico de Ángela García Codoñer, artista pioneira na arte feminista espanhola, cujo trabalho desafiou as representações tradicionais das mulheres nos âmbitos doméstico e público.
A Casa Gesso foi concebida como uma tela branca habitável, uma plataforma de reflexão sobre o trabalho de García Codoñer, destacando o seu legado artístico e feminista no contexto actual. Esta residência transcende o design convencional ao homenagear as obras da artista, particularmente as icónicas séries Morfologías, Misses e Labores, que transformam a linguagem arquitectónica contemporânea. Cada espaço dentro da casa foi desenhado como uma reinterpretação espacial destas obras, preservando o discurso crítico e social que caracteriza o conjunto da obra da artista.

Arquitectura além da convenção
A fachada da Casa Gesso, revestida com azulejos de porcelana cor de osso, evoca os tradicionais lavadouros que outrora abrigaram estúdios de artistas, criando uma continuidade visual entre exterior e interior. Este design convida à reflexão sobre os temas abordados nas obras de García Codoñer, transformando a residência numa plataforma de contemplação artística e crítica social.
A casa organiza-se em dois volumes que resolvem a transição entre edifícios de diferentes escalas. O primeiro volume, com um andar e meio, abriga a zona diurna, enquanto o segundo, com dois andares, contém a zona nocturna e as casas de banho. Uma escada integrada num módulo linear de carpintaria em carvalho tingido articula ambos os espaços. Um pátio interior serve como o coração da casa, proporcionando luz e ventilação, enquanto funciona como transição entre a sala de estar e a área de jantar-cozinha.
Os volumes recuados criam um jogo de espaços, luz e sombra em ambas as fachadas, enquanto as janelas verticais na zona nocturna enfatizam a altura e oferecem privacidade. A iluminação artificial combina candeeiros decorativos com iluminação LED difusa e oculta, criando ambientes quentes e funcionais. O pavimento interior, unificado com grandes azulejos de porcelana, proporciona coesão visual ao projecto.

Espaços que contam histórias sobre feminismo
O espaço central reinterpreta a série Morfologías (1973), em que García Codoñer questionava as representações do corpo feminino na arte. Esta área desafia a imagem masculina da corporalidade feminina com formas sinuosas que aludem à desconstrução de estereótipos visuais presentes na obra da artista, convidando à reflexão sobre a evolução das percepções de género na sociedade espanhola. Interior e exterior fundem-se num diálogo constante entre a sobriedade e o calor do corredor infinito e a luminosidade, opulência e geometria do pátio central, que se assume como o eixo da casa.
O quarto principal inspira-se na série Misses (1974-1975), que denunciava a objectificação das mulheres em concursos de beleza. A cabeceira, desenhada pelo Viruta Lab com um padrão tweed ao estilo Chanel, alude à estética da alta sociedade associada a estes concursos, evocando a sofisticação superficial que caracterizava a imagem pública das concorrentes. Este padrão também faz referência às técnicas de colagem da artista, desafiando a construção mediática da feminilidade. Ao lado, um projector, em vez de um candeeiro de mesa tradicional, evoca os palcos dos concursos, enfatizando a artificialidade dessa representação. Além disso, os azulejos de porcelana presentes em toda a casa estendem-se à casa de banho, criando um fio condutor visual e um contraste deliberado com o mobiliário em madeira natural.
Na sala de estar, a série Labores (1975-1977) de Ángela García Codoñer torna-se o eixo central. A artista explorou os trabalhos manuais tradicionalmente femininos, e o Viruta Lab traduz estes padrões para a linguagem arquitectónica contemporânea. Assim, o estúdio transformou a sala de estar numa crítica visual que destaca o peso destas actividades na construção do discurso feminino, tanto no lar como na arte. A madeira natural utilizada na carpintaria e no mobiliário confere sobriedade e nostalgia ao design de interiores. Os tecidos e texturas em tons neutros e terracota reforçam o calor e a neutralidade que envolvem este espaço de reflexão, ao mesmo tempo que suavizam as linhas, gerando uma atmosfera íntima que convida à contemplação. Este ambiente é equilibrado por peças centrais como esculturais mesas de centro em mármore travertino e a imponente mesa de jantar em microcimento.

Arte, arquitectura e crítica social
Assim, a Casa Gesso não apenas presta homenagem a uma artista crucial no panorama valenciano, como também mostra como a arquitectura residencial pode transcender a sua função básica, tornando-se um espaço de diálogo com a arte e a crítica social.
O Viruta Lab desenhou um espaço que reflecte fielmente sobre a igualdade de género e o feminismo, onde narrativas sociais e artísticas que moldaram a cultura valenciana e espanhola nas últimas cinco décadas podem ser decompostas e reexaminadas. Em essência, é uma casa que permite habitar as ideias de Ángela García Codoñer e demonstra que os espaços residenciais também podem ser concebidos para a reflexão sobre as normas estabelecidas. 
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Para mais informações visite Viruta Lab.
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